Desde que nasci, não sei a que geração
pertenço
Lembro-me
de ouvir uma professora dizer numa aula que pertencíamos à "geração
rasca". A partir dos meus 9 anos acreditei, pois, que pertencia à essa
geração.
Sorte a minha, ainda não tínhamos tido tempo
para fazer nada e já este rótulo me era colado.
Mais
tarde apercebi-me que tudo aquilo tinha sido um erro da professora. A geração
rasca não era a minha e, afinal de contas, eu pertencia à "geração
morangos", em referência aos Morangos com Açúcar.
Ridícula e inútil, portanto...
Entre uma infinidade de nomes para a minha
geração, surgem agora os de "geração sem remuneração" e de
"geração à rasca".
É um facto.
Estamos
"à rasca" e se há coisa que falta é dinheiro.
Mas, caramba, será que fomos assim tão inúteis
este tempo todo?
Nós, a
"geração rasca", a "geração morangos", a "geração à
rasca", a "geração sem remuneração", a "geração casa dos
pais", a "geração nem nem" (nem estudam nem trabalham), a
geração... uf uf uf!
Deixem-me
respirar!
Será
que nós somos assim tão culpados?
Fomos nós que deixámos o país chegar a este
ponto de sem-vergonha?
Fomos nós que deixámos o país chegar a este
ponto de endividamento?
Fomos nós que metemos estes pulhas no governo?
Fomos nós?
Tentemos
olhar um bocadinho para trás.
Criticam-nos porque vivemos em casa dos pais
até muito mais tarde,
criticam-nos por
não sabermos como é dura a vida, criticam-nos por termos sempre tudo sem ter de
lutar por isso.
No outro dia li um texto do Miguel Sousa
Tavares que achei delicioso:
«Vi uma
manifestação de pais, alunos e professores de uma escola pública, onde,
dizem eles, chove em alguns locais e faz frio porque não há
aquecimento na escola».
M.S. Tavares, Expresso, 5/2/11.
Ora,
então, ao longo do texto o autor deliciava-se a dizer que era ridícula a
manifestação, porque chover em alguns locais (dentro das salas de aula) e fazer
frio é perfeitamente normal.
Chega ao ponto de sugerir aos meninos que, se
têm frio, comprem cobertores!
Tudo isto porque, segundo ele, no
seu tempo (adoro o velho não-argumento do "meu tempo") ele ia para
escola no meio da serra, tinha de andar a pé pelo meio de montes com um frio
desgraçado e, ainda assim, está vivo e bem na vida.
Pois
então, segundo Miguel Sousa Tavares, se os pais dos pais dos pais dos pais dos
pais dos pais dos pais... dos pais dos nossos pais viviam em cavernas, não
tinham descoberto o fogo e andavam nus, então nós, em 2011, teríamos também de
andar da mesma maneira.
É com este tipo de crítica que tenho convivido
durante os 14 anos da minha existência.
A culpa não é da falta de condições que, no
ano de 2011, é inaceitável. A culpa é da "geração" que está mal habituada.
A culpa não é dos professores que tivemos
que, salvo raras excepções, foram péssimos, horríveis, medonhos.
A culpa é nossa, porque não estudamos o suficiente.
A culpa não é das pessoas que pagam quantias
elevadíssimas de dinheiro a outras pessoas para escreverem barbaridades como
estas nos seus jornais.
A culpa é nossa, porque com o nosso hábito de
protestar quando algo está mal lhes damos razões para que eles falem "do
seu tempo" dizendo que esse é que era bonito.
A culpa não é das pessoas que deixaram que o
poder no nosso país esteja entregue a uma cambada de indivíduos sem carácter,
sem palavra, sem ponta por onde se lhe pegue.
A
culpa é nossa, porque nos abstemos.
A culpa não é das pessoas que construíram
uma sociedade na qual se reelege um primeiro-ministro que, em termos éticos,
está enterrado até à ponta dos cabelos.
A culpa não é nossa das pessoas que só
deixam de gostar desse mesmo primeiro-ministro quando ele adopta medidas económicas
duras.
A culpa não é das pessoas que se estão bem
nas tintas para a ética.
A culpa não é das pessoas que só se sentem
revoltadas quando começam a mexer no seu dinheiro.
Não, meus caros. A culpa é nossa!
NOSSA, QUE ANDAMOS A VIVER EM CASA DOS PAIS PORQUE
NÃO HÁ EMPREGO PARA NÓS E NÃO TEMOS FORMA DE NOS TORNARMOS
INDEPENDENTES.
NOSSA, QUE TEMOS DE IR ESTUDAR PARA O
ESTRANGEIRO EM BUSCA DO
SONHO DE ESTUDAR MEDICINA, PORQUE O NOSSO PAÍS, EMBORA COM
FALTA DE MÉDICOS, MANTÉM POUQUÍSSIMAS VAGAS PARA QUEM MÉDICO QUISER
SER.
NOSSA, PORQUE VIVEMOS ANOS E ANOS A OUVIR MIGUÉIS SOUSAS TAVARES A ESCREVER
BARBARIDADES DESTAS SOBRE NÓS E NADA FAZEMOS.